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D a r i o A l v e s

9.2.07

Publicada por Dario Alves
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DARIO ALVES/MUSEU DO DOURO/RETROSPECTIVA 1972/2010
87 OBRAS/AQUI:
Dario Alves/Museu do Douro/2010

LIGAÇÕES

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Ver também

  • Dario Alves/Universidade do Porto
  • Dario Alves/Galeria Canvas/2002
  • Dario Alves/Museu do Douro 2010
  • Dario Alves/Galeria Sala Maior 2006
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Novembro 2010
A escritora catalã Ana María Matute, de 85 anos, ganhou o Prémio Cervantes, o mais importante da língua espanhola.
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Dario Alves
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Exposições individuais




1979 • Galeria do Jornal de Notícias/Porto.
1981 • Galeria Roma e Pavia/Porto.
1983 • Galeria Diagonal/Cascais.
1985 • Galeria Diagonal/Cascais.
1987 • Galeria EG/Porto.
1989 • Galeria Leo/Lisboa.
1991 • Galeria EG/Porto.
1996 • Trabalhos de casa/Árvore/
Porto.
2001 • Dario Alves/
Museu Nogueira da Silva/
Galeria da Universidade/Braga .
2002 • Dario Alves/Galeria Canvas/
Porto.
2006 • Dario Alves/
de várias formas e feitios/
Galeria Sala Maior/Porto.
2010 • DarioAlves/
Retrospectiva 1972/2010/
Museu do Douro/Régua e
Centro de Memória/Torre de Moncorvo.
2012 • Dario Alves + Emerenciano/
Galeria ao Quadrado/Sta. Maria da Feira.
2017 • Desenhos/Pintados/
Galeria Fernando Santos/Porto
2025. Olha, vem ver os desenhos que eu tirei da gaveta/Galeria Fernando Santos/Porto

COLECÇÕES INSTITUCIONAIS

Museu da Faculdade de Belas Artes do Porto / Porto.

Centro de Arte Contemporânea / Museu de Soares dos Reis /Fundação de Serralves/ Porto.

Museu de Arte Moderna de Lund / Suécia.

Fundação Calouste Gulbenkian / Lisboa.

Fundação Cupertino de Miranda / Famalicão.

Aliança Seguradora / AXA / Porto.

Secretaria de Estado da Cultura / Porto.

Jornal de Notícias / Porto.

Hotel Algarve / Lagos.

Museu de Desenho de Estremoz / Estremoz.

Banco de Fomento Exterior / BPI / Lisboa.

Fábrica de Chocolates Imperial / Vila do Conde.

Banco Borges e Irmão / BPI / Porto.

Banco Português de Investimento / Porto.

Banco Atlântico / BCP / Porto.

Universidade do Minho / Braga.

Associação Industrial Portuense / Porto.

Banco Fonsecas e Burnay / BPI / Porto.

Mota e Cª./ Porto.

Fundação Dr. Mário Soares / Lisboa.

Reitoria da Universidade do Porto / Porto.

Instituto Politécnico do Porto / Porto.

Câmara Municipal de Moncorvo / Moncorvo.

Bluepharma / Industria Farmacêutica / Coimbra

Unicer / Bebidas de Portugal SGPS SA / Leça da Palmeira

Museu Municipal Amadeu de Sousa Cardoso / Amarante

DARIO ALVES

Nasceu em Moncorvo em Dezembro de 1940.

Em 1965 conclui o Curso Geral de Pintura da Escola Superior de Belas Artes do Porto/ESBAP.

Entre 1960 e 1980 exerce actividade na área do Design Gráfico.

Em 1973 conclui o Curso Complementar de Pintura da ESBAP.

Em 1976 entra como Docente para esta Escola (actual Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto) obtendo sucessivamente o grau de Professor Auxiliar (1983), de Professor Agregado (1996), e de Professor Associado (1999).

De 1984 a 1993 e de 1996 a 2001 é Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Belas Artes.

Durante este período consegue as verbas necessárias para a recuperação de todos os edifícios que constituem esta Escola, cuja degradação era à época alvo de noticias em alguns órgãos de comunicação e cria condições de funcionamento para o Museu das Belas Artes sob a direcção da Profª Lúcia Matos.

Procede à remodelação dos Serviços de Secretaria de acordo com projecto da autoria dos Arquitectos Cristina Guedes e Francisco Vieira de Campos que concebem também as novas instalações do Pavilhão destinado a Tecnologias, edificado nos jardins desta Faculdade.

Recupera numa primeira fase o há muito abandonado e degradado Atelier de Soares dos Reis, em Vila Nova de Gaia, com a colaboração do Arquitecto Pedro Ramalho.

Com o apoio da Reitoria da UP. e do seu Reitor, Prof. Novais Barbosa, consegue que seja iniciado em 1998 o projecto do Novo Edifício, esperado durante décadas, situado na parte sul desta Escola, da autoria do Arquitecto Alcino Soutinho. Este Novo Edifício foi concluído e utilizado a partir de 2006.

Na sua actividade profissional leccionou várias matérias do curso de Design de Comunicação.

Foi em 1980 e em 1986 subsidiado pela Fundação Calouste Gulbenkian para visitar Bienais de Design Gráfico na Polónia, Checoslováquia e Itália.

Expõe Pintura desde 1972 e realiza a sua primeira exposição individual em 1979.

Em 1994 executa um retrato do Dr. Mário Soares.

Entre 1994 e 2019 executa os retratos dos Reitores Lúcio Craveiro, Machado Santos, Licínio Chaínho e António Cunha da Universidade do Minho bem como os retratos dos Reitores Alberto Amaral e Novais Barbosa da Universidade do Porto. Executa também os retratos dos Presidentes do Instituto Politécnico do Porto, Luís Soares e Rosário Gambôa.

Integrou o Grupo Puzzle.

Entre muitas outras situações, representou a Faculdade de Belas Artes na escolha da face Nacional da moeda de Euro.

Em 2001 obtém a aposentação como Professor Associado da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

Desde então tem continuado a sua actividade de Pintor.


DARIO ALVES


Hoogstraten, o holandês do séc. XVII, discípulo de Rembrandt, pintor, entre outras coisas, de naturezas mortas de objectos, é teu contemporâneo, penso eu, porque aqueles que estão perto de nós nas andanças da mente são nossos contemporâneos embora não sejam conterrâneos.

Claro que tu não estás sujeito à inquisição e vives os tempos liberais. Mas a tua obra traz outras coisas diferentes. A mais importante: o humor. Não é frequente o humor na pintura. Considera-se, mal, que o humor só faz parte da ilustração. O humor na tua obra actua sobre a própria obra, a pintura e a arte. É um humor “dentro de portas”. O erotismo é outra vertente que marca o carácter dos temas, pois não penso que o erotismo seja um tema. É uma qualificação dos estados de alma sexuais, que são bem úteis e fortes. Eu não penso que as tuas pinturas, em grande parte, sejam ilustrações. Isto é, os ilustradores sabem do que estão a imaginar. Os que não são, eu chamo-lhes os integrais, não sabem. Isto é, a imagem depois de criada é que se mostra o que é. Muitas vezes com total surpresa para o autor. Por isso lhes chamo os criadores integrais. São tudo e nada. Tu tens certas ideias de associações de objectos imagens de seres e de coisas que constroem uma pré-narrativa não ilustrativa pois não há guião ou texto.

A natureza morta e o espaço contido, fechado. É assim a natureza morta. Tudo começa e se encerra ali, no barroco baixo há, por vezes, ao fundo uma paisagem, e na pintura renascentista, havia ar e sol sobre os frutos as aves a meio caminho entre a natureza viva e a natureza morta. Sinto por vezes que as naturezas mortas me não deixam ver o resto, o que está para lá. Mas o tema é dominado pelo encerramento pela protecção do mundo, da vida – por isso se chama natureza morta – acho mesmo que as tuas “pequenas” no movimento de anca e assomo de seio, são bonecas, não mulheres com suores.

Claro é que o domínio dos efeitos de que se faz a pintura, está presente. Há as naturezas mortas de Morandi e outros que se servem do tema para fazer pintura como coisa em si como plástica em si como objecto plástico, como abstracção. O teu domínio dos efeitos é o da pintura como representação e por isso da ilusão visual, da revelação do visível.

O que se pensa a ver e a pintar assim?

Eduardo Luis que é um nome que logo nos ocorre, e que nos anos 60 e seguintes, embora de Paris, deixou uma obra muito típica e algo semelhante à tua. Me recordo, marcada por um certo mistério, segredo ou magia. O plano, o campo dos objectos era ainda mais perto da face do quadro. Estava mesmo ali.

O que se pensa a ver e a pintar assim?

Joaquim Pinto Vieira/2011/

Prof. Catedrático/FAUP



DARIO ALVES


A sua pintura assume provocatoriamente a sensualidade quase táctil das suas representações. Nela, o hiper-realismo da figuração, o rigor e o virtuosismo da representação aliam-se à ironia dos temas e ao erotismo das situações. Paisagens, objectos e corpos ganham uma nitidez que os artificializa na sua verosimilhança. Esta é uma pintura céptica da sua própria perfeição. A pintura dentro da pintura, o quadro como relação do virtual com um real sujeito a uma transfiguração onírica de alguma influência surreal são algumas das suas características dominantes. JF.











«Justíssimo» de Dario Alves, momento de erotismo refinado, que reivindica a liberdade de criação, agarrando o tema, somente como um primeiro estímulo, logo transformado em motivo arbitrário que a razão criadora justifica acentuando a ambiguidade do estatuto da imagem, fotográfica neste caso, a representação pretendendo captar uma realidade que é ela própria uma imagem fugidia e fragmentária. Uma reflexão na verdade «justíssima» sobre a estética do autor, sobre a natureza e os limites da representação, que nos conduz muito além de uma leitura mais imediata pelo lado da ironia ou do absurdo?. Maria João Fernandes 1995. /in: catálogo Justiça /Exposição Colectiva /Galeria da Praça/1995. Porto















Através de um recurso que é, já, na arte ocidental toda uma tradição incluída noutra tradição, a imagem dentro da imagem, Dario Alves formula, com a sua obra, muitas das questões mais candentes da modernidade pictórica, uma modernidade consciente, que se sabe algo acrescentado às sucessivas propostas integradas a esse todo que diacronicamente se veio afirmando. Uma modernidade que se sabe porque resultado de um saber e da reflexão que nele se alicerça. Se bem que a imagem dentro da imagem seja tão antiga quanto a arte de pintar, como o mostrou Julián Callego, importa salientar que sempre que aparece o faz com um espírito diferente e com uma função diversa. Do que são flagrante e múltiplo exemplo os nossos tempos e onde a obra de Dario Alves surge com uma singularidade irrecusável. Singular tanto pelo teor da imagem segunda como pela maneira como se inclui na imagem primeira, o quadro. Esta singularidade, como aliás a sua modernidade, decorrem sobretudo, das exigências manifestadas em relação à obra como matéria e, no aspecto semântico, do relevo conferido a dois assuntos, o erotismo e a pintura, perpassados um e outra de uma subtilíssima ironia denunciadora. Apresentada com uma frieza que fascina, mas que é poderosamente dessacralizante Por outro lado a mulher. A mulher entendida como imagem da mulher e que aparece como realidade provocadora do desejo, da libertação das pulsões instintivas mas que, porque assumida explicitamente como imagem funciona como a mulher dos sonhos e nunca como a mulher da posse. O que também sugere a maneira de figurar, seja pela suavidade da linha seja pela não sensualidade da cor seja pela não densidade da textura. Assim o erotismo na obra de Dario Alves por ser um erotismo desvelado é também um erotismo cinicamente incumprido. Cinicamente porque a imagem do desejo se mostra imediatamente como imagem como pintura. E com imagens... Por outro lado a pintura. A pintura entendida como repertório iconográfico, como ofício e, por corolário, como modo de ser e estar no mundo. O seu modo, da pintura e do pintor. No primeiro sentido basta, creio-o, reparar na constante presença de elementos que concernem a esta arte e ao fazer, que lhe e próprio. A imagem dentro da imagem é um exemplo, mais importante porque factor de estruturação, como solução no organizar do espaço pictórico. Mas, igualmente, o recurso a paletas, pincéis ou expressões alusivas à actividade de pintar. O que, em conjunto, faz da sua obra um signo de reflexão sobre o oficio, sobre a imagem, sobre a arte e o artista e, até, sobre as relações do apreciador com cada um, e todos destes aspectos. A exemplo dos celebrados motivos “o pintor e o modelo” ou "o atelier do pintor". Dario Alves com uma função análoga decide-se por aquilo que se pode sintetizar em "o pintor e os seu utensílios". Que na sua quietude formal, para o que também contribui uma técnica de acabamento muito depurada, não deixa de constituir-se num radical exercício de metalinguagem que inclui uma rotunda apresentação da pintura como pintura e uma denúncia aberta de todo o ilusionismo sobre que se estabeleceram os hábitos da apreciação, integrando o necessário para obrigar o espectador a reconhecer que tudo quanto está perante si - mulheres, nus, trajes, adornos, objectos, etc., etc. - não é senão pintura. E que ser pintura é uma categoria de ser que, por cultural, afinal o que não é cultural? não o é menos. Se antes estávamos perante uma dessacralização do erótico, cínica, agora estamos perante uma dessacralização da pintura não menos cínica. Porque torna evidente uma evidência que, contumazmente vinha sendo iludida. Dessacralização porque traz para a obra tudo quanto alude aos bastidores, ao processo, ao segredo. Mas com uma tranquilidade e uma coerência glaciais que nem uma ou outra cor mais cálida evitam. E com uma minúcia que só o prazer de pintar justifica, um pintar moroso e calculado, premeditado, que é um indício da sua inteligência e da sua argúcia plásticas. Joaquim Matos Chaves/ Abril de 1983 In: catálogo Dario Alves/Galeria Diagonal/Lisboa


Quando as mãos não estão em moda, na arte que se importa.



Conheço-te há tantos anos, de alunos que fomos desta Academia Tripeira a assistentes que somos desta Bauhaus do Norte, passando pelo dia a dia ou visitas de atelier, a um Puzzle de pintura onde a tua saída não foi guerra. Por isso dar um conselho, nestes dias anti-paternalistas e num catálogo, só a um amigo se faz.

É, se bem me estás a entender, estou a escrever em alemão!...

Por humor que pareça, que de verdade se trata, só no academismo da vanguarda instituído (por quem de direito, força, poder) serás contemporâneo (da-arte alemã-garantido). Dessa tua herética persistência em também, usares as mãos, com o jeito, a precisão, o acabamento, a cor, a limpeza, a exactidão do desenho, nem o humor te safará.

Porque não aprendes com os iniciados da «conceptual-
germania»?


Tudo seria mais fácil, para ti e para mim como apresentador. Até porque assim, eu poderia escrever em inglês, que sendo por um lado mais legível, permite manter o hermetismo.

Só o crâneo está em moda (no que cá nos diz respeito, neste quintal das artes). É nele que se coloca o «quico», o chapéu ou o «solideu-laico», que permite distinguir ao longe, mesmo sem os outros «tiques», quem é que é de vanguarda. Essa vanguarda una e indivisível. Disso qualquer iniciado não tem dúvida. Ela vem de longe e porque é ommis-vidente, compreende (contêm) a direcção única (total), mais que perfeita, “do agora” para “todo o sempre”.

Se queres ser de vanguarda (válido), não tenhas vergonha de ser emigrante no teu próprio quintal da arte. Põe o «quico», pega o «tique» e copia (epiderme) o conceptualismo saxão. É com amizade que te digo que em Portugal não estás «à la page», que o que fazes não vem no catálogo do que exportamos da arte que importamos. Que o teu «humor da técnica, pois para tristeza já basta a chatice do mau acabamento dos produtos nacionais», não interessa muito aos intermediários oficiais ou oficiosos da nossa pintura.

Que aquilo que nós fazemos ou propomos, só existe na medida em que reflecte o mais copiadamente possível a aparência daquilo que, alguém lá fora já fez ou faz. Que nós só existimos por defeito (e o estrangeiro por excesso) e que o defeito nestes é para nós virtude.

Se a qualidade é um certo resultado da relação (intercâmbio) daquele que produz com o meio onde funciona, repara que esse meio não é a sociedade em geral, mas serão sempre as poucas pessoas que, classificam, dirigem e divulgam (ou pseudo-divulgam) a arte, mais do que para, pelos, que calados ou preocupados com outras coisas, não existem em termos de força específica ou construção histórica. Acredito que: As coisas são o que parecem e não parecem o que são; A Arte, é aquilo que quem faz a história (informação, condutora de sensibilidades), quer que ela seja; Que o facto de aqui escrever, como registo divulgador e testemunhal, conterá sempre independentemente das minhas e tuas ambições, uma intenção histórica (mesmo que anedótica).

Quero por isso deixar para uma menor margem de afastamento de interpretação das minhas intenções neste texto, os meus sinceros parabéns, ao conceptualismo alemão, à tua exímia pintura e também sem dúvida aos epidérmicos colonizados e nossos «cipaios» nacionais.

João Dixo

Texto publicado em alemão (para ser mais hermético, como se usa nestes casos) no catálogo da exposição de Dario Alves/Galeria J. N./1979

Além de pintor, Dario Alves vem-se igualmente notabilizando como artista gráfico. E a precisão gráfica e clareza visual ( por vezes tangenciando o mimético fotográfico) informam de facto a sua obra, na qual o absurdo surrealista se actualiza para avizinhar motivações da linguagem publicitária ou dos «mass-media, em certa aproximação «pop que contudo dispensa qualquer brutalismo expressivo, trocado pela gentileza satírica. O humor é pois coordenada geral na obra de Dario Alves, dimensionada figurativa e sensivelmente por frequentes estereotipados nus femininos, flagrante virtuosismo ilusionístico de desenho e ainda pela preferência por um espaço de vazio que «frases-slogans pontuam ironicamente.


Fernando Pernes/1982


in/serralves /museu/a coleção/obras-e-artistas/

Tomo a coisa como um jogo

De um momento para o outro sou uma mulher parada, uma mulher sozinha, de mãos demasiado magras, parada na sala-de-estar: olho-me como se fosse outra pessoa, uma pessoa (digamos assim) objectiva, de (digamos assim) olhos frios, e vejo-me aqui perdida, parada, interrompendo o gesto de pegar na colher, e forçando-me a reparar nos objectos, nos seus pormenores, sombra, peso, tamanho, irregularidades, para não cair, forçando-me a mirar cada objecto, a colher os frutos o frasco os cigarros, com uma atenção que me segure, que não me deixe ir abaixo, uma atenção (os olhos abertos fingindo espanto) que não me deixe ser tomada por esta dor, esta angústia, isto que não tem nome, isto que vem sem aviso como as más notícias, aquele telefonema em que disseste acabou tudo, assim de um momento para o outro: de um momento para o outro sou uma mulher bonita, de saia curta, a sair de um automóvel e ninguém me olha, nenhum homem português se vira para espreitar a perna (o tornozelo nu) que ponho fora antes de me levantar na rua e atravessar o passeio e entrar em casa e desaparecer, de um momento para o outro ninguém me olha ou então sou eu que já não noto, desde que te foste embora é-me difícil ser olhada, é-me difícil este corpo inútil que não pára de envelhecer, e talvez por isso fuja para o elevador, para o sexto andar, e me feche sozinha em casa e gaste o tempo no apartamento enorme (por mais bibelôs), escuro (por mais candeeiros), silencioso (por mais música) a desarrumar e a arrumar tralhas, a fazer seja o que for, não interessa, para não cair em lembranças: momentos tão simples como tu em frente ao espelho do ol de entrada a ensinares-me os novos nós de gravata inventados pelos americanos, ou a escreveres sentado na mesinha ao pé da janela e de repente parando, tirando os óculos, pousando-os na mesa, sorrindo, ou à noite na luz branca da cozinha a comeres à socapa a última maçã do cesto: para não me desmanchar contra as lembranças tomo a coisa como um jogo, isto fica melhor aqui, aquilo é melhor ir para ali, o lápis na bordinha da mesa, mesmo antes de cair, a cebola na bancada debaixo da lâmpada como uma obra de arte, a bolacha no centro geométrico do prato, para não desatar aos berros ou a chorar (para não me atirar da janela) tomo a coisa como um jogo, a vida, mudar os objectos de sítio uma e outra e outra vez até o corpo se cansar e eu ser tomada pelo sono: quando foste embora o que me salvou foi a bondade dos gestos quotidianos, cortar o pão lavar a loiça escamar o peixe regar as flores arrumar os objectos, cada um no seu lugar, com muito cuidado, muita (digamos assim) concentração, num silêncio (digamos assim) diferente, ligeiramente diferente consoante se trate de uma bola ou de um biscoito, por exemplo: uma mulher de meia-idade sozinha na sala-de-estar, as mãos e os olhos demasiado magros, uma mulher de meia-idade de pé na sala-de-estar, parada, sem uma palavra, interrompida a meio de um movimento sem saber o que fazer a uma colher pequena, pequenina, muito bonita, e eu a olhá-la. Jacinto Lucas Pires/2002 in: catálogo Dario Alves/Galeria Canvas/Jan 2002
 

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